quinta-feira, 28 de janeiro de 2021

A travessia

Desde que mergulhei nesse grande mundo da gastronomia, acredito que em 1993, passei por vários lugares na esperança de aprender e deixar o meu melhor.

Sempre fui intenso em tudo que me era confiado, talvez pelo signo, escorpião, embora eu não creia muito nisso. Me orgulho em dizer que até hoje sou assim.


Os anos de "Note e anote" na TV Record, me proporcionaram as melhores experiências antes mesmo de adentrar pelo portal sem volta de uma cozinha. Não conheci um mestre dos magos, mas precisei desbravar um mundo até então desconhecido. Descobri que não era preciso afagar o ego de "chefs pra se garantir na casa", como acham a maioria, mas mostrei que agregar era obviamente o correto a se fazer.

Me lembro que no supermercado onde trabalhei, em 1994, enquanto passava pelo caixa as mercadorias dos clientes, eu observava as receitas que ilustravam os rótulos e as caixas. Um dia resolvi apostar num lombo de porco com molho de laranja que o saudoso Cauby Peixoto preparava na cozinha da Ana Maria Braga, e deu certo! A preocupação do meu pai começou aí.

Ainda no supermercado, depois de organizar meu setor, passava as tardes na padaria ajudando o padeiro. Os pães de frios eram os mais esperados e faziam fila congestionando o corredor para a fornada das 14:00.

Depois disso, quase em 2001, após deixar o supermercado, busquei uma vaga numa padaria do bairro. E é claro que tentei fazer o tal pão, mas como a maioria sabe, se não for a receita do padeiro a ideia não entra.




Nesse meio tempo, eu já era o cozinheiro oficial da minha roda de amigos, o churrasqueiro que ninguém queria o avental e, até o boleiro de casa quando minha mãe não descolava os olhos do Vale a pena ver de novo.

Em 2007, em São Paulo, nas idas ao hospital por conta de um CBC no rosto, conheci o Tony, um marombeiro que amava cozinhar e respirava academia. Ele queria transformar o restaurante do pai em um bistrô de comida orgânica. "É a sua cara!" Instigava ele. Topei.

Os risotos cheios de cremosidade não saíram do cardápio, mas dividiram espaço ao arroz integral enriquecido com legumes, cortados micromilimetricamente e sementes ativadas. Os purês aos poucos andavam lado a lado com batatas assadas, o frango ganhava um aroma de manteiga, os molhos carregados de roux e vinhos ficaram muito mais light. E os peixes acompanhavam legumes no vapor. Calor naquela cozinha pequena não faltava.

Conciliando cozinha, academia e lazer eu me sentia em casa. Dormia 5 horas por noite e quando realmente despertava, estava tomando café com o Léo, no mercado. Em dias de peixe, já ia direto da academia. Catabolizava, obvio.

Tudo parecia estar perfeito, até perdermos o grande incentivador da casa. O Tony avó faleceu, desanimando o Tony pai. Foi difícil pro Tony filho levantar a cabeça, mesmo eu me propondo a tocar o barco enquanto passasse o luto, podia levar o tempo que fosse preciso, eu não me importava em ajudar, mas preferiram encaixotar as lembranças e apagar as luzes de uma cozinha cheia de brilho próprio.

Resolvi mudar de ares tambem. Tempos depois em 2009, já estava fazendo pães de novo e, meses antes do Natal, uma fornada de panetones perfumavam um supermercado as 15:00 e, por incrível que pareça, consegui colocar a receita do pão de frios na casa. Mas paramos porque ofuscava a venda de outros produtos. Essa foi a desculpa, mas eu sabia que o motivo era outro - aquele. Não importa.

Entre idas e vindas da "cozinha" pra "logística" e da "administração" para o voluntariado, já confiante na mão e no paladar, ainda tive oportunidade de ajudar a organizar almoços beneficentes, pastel de fim de semana na cozinha da paróquia, motivado pelo pároco daquela época, eventos dos quais sinto falta, das aventuras em cozinhas com histórias inimagináveis, dos churrascos com os amigos. (Vírus maldito! (Covid-19).

Eu já tinha desistido, até que alguém me encorajou a continuar. Foi então que em no final de 2013, um anúncio numa rede social me provocou "preciso de um auxiliar de cozinha, urgente". Era tentador, uma cozinha de outro mundo nesse imenso mundo desconhecido da gastronomia, fiquei lá por duas temporadas. Foi minha escola pra cozinha e pra vida.


Sobremesa autoral, o BR. No cardápio,
Due de chocolate
Foto: Douglas Lugano

2018 ainda não havia terminado, mas deu tempo pra uma oportunidade nova de ter uma cozinha sob meu olhar por quase dois anos que só deixei para realizar aquele sonho lá dos tempos do mercado: Uma cozinha minha, do meu jeito. De novo, tinha tudo pra dar certo. "Vírus maldito!" (Covid-19).

Hoje relembrando um pouco do meu início, percebi que cozinha não é só trabalho, mexer panelas e servir. Tem de ter tesão e afeto intenso no que faz. Talvez seja por passar por tudo isso, eu ainda não tenha desistido e buscado o portal que me trouxesse de volta a um mundo que para todos seja real.

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