quinta-feira, 28 de janeiro de 2021

Encontro de almas

Por Douglas Lugano

"... numa manhã de sábado, fria, que te obriga a esconder o rosto devido ao sopro gelado dos ventos, da Paulista, fui me aproximando da rampa de uma rua ingrime do lado oeste daquele bairro nobre da cidade. Parei antes numa banca, cumprimentei o rapaz retribuindo seu "bom dia" e depois de um breve, porém amistoso aperto de mão, retirei uma nota do bolso esquerdo da calça jeans e levei um arranjo de flores. Embora fossem as rosas suas preferidas, arrisquei-me em comprar um ramalhete de uma tonalidade bem clarinha, como se fossem taças de champanhe com morango. (...)

Finalmente cheguei ao hospital, me encaminhei até a porta do elevador acionando o botão para subir.

Sétimo andar, enfim, foram os quarenta segundos mais eternos da minha vida até então. Meu coração batia em sincronia dos ritmos dos cabos se movendo acima de nós, até que parou. Observei se ele estivesse mesmo parado naquele andar conforme instrução da placa acima e a direita do batente, ao lado do botão de emergencia.

A porta se abriu e eu já estava na antessala. Eu já podia vê-la sentada sobre um sofá azul, da cor do céu, com as pernas cruzadas arrumando os poucos cabelos que insistiam em tentar renascer, olhando para o longe em meio aos prédios das mais variadas formas, tamanhos, e cores.

Ela vestia uma camiseta branca, customizada por ela mesma eu acho, os ombros a mostra e um short jeans. Ela estava radiante. O sol a iluminava e ao mesmo tempo, tentava sem sucesso, aquece-la devido ao frio que fazia naquele dia. A cena me remetia àqueles quadros de anjos da guarda com aqueles fachos de luz sobre a cabeça, por isso, não tinha como duvidar da presença de Deus naquele recinto.

Havia paz, a atmosfera era surreal, mistico e por um instante permaneci em silencio, sem ação. Um silencio que foi quebrado com o ranger da porta do elevador se fechando, foi então que apareceram as pessoas que estavam alí com ela. Brotaram das laterais, por detrás da parede que separava o quarto da antessala.

Ela se virou e sua beleza cegante fora violada pelo meu olhar tímido, nervoso e, ao mesmo tempo, ansioso. Se levantou, veio em minha direção, seu braço esquerdo pendia um cateter, me aproximei e com todo o cuidado nos abraçamos – eu tremulo. Meus olhos se encheram de lágrimas que desconheciam suas razões. Senti o cheiro de seu hidratante – baunilha. Ela deu um passo para trás, com as duas mãos apalpando meus braços me olhou e disse “Douglas, você veio!”

(...) Não pude acreditar que aquela menina, em sua tenra idade, se deixara vencer por uma doença tola. Perdeu a luta para um câncer. Jéssica morreu antes mesmo que sua adolescência conhecesse uma nova primavera. Muito antes de sorrir para o sol no verão. O tempo abreviou seus planos de conhecer a florada de ypês amarelos. Morrer no inverno tornava mais triste cada novo crepúsculo.

(...) Já era outubro e eu havia prometido passar o dia das crianças no hospital. Os livros já estavam embalados assim como o restante dos brinquedos. Mas antes de tudo, eu ainda teria um outro compromisso a ser cumprido. Em São Caetano, região do ABC Paulista, na paróquia Nossa Senhora Aparecida ...

(Continua no livro)

10 de Agosto de 2008 - Sobre Meninos e Heróis #DiaDeNossasVidas #MeuLivro

Imagem: internet/Google

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