sexta-feira, 18 de junho de 2010

Dia de Nossas Vidas - Coisas que eu nunca contei! Primeiro Capitulo.

Era final da década de 80, eu já estava na escola e tinha fama de ser o queridinho de todos – desde a tia da cantina que sempre me dava balas de canela, ela achava que eu adorava mas eu só pegava pra deixá-la feliz, depois eu dava a bala pra dona Sueli, faxineira da escola, e dizia que eu tinha trazido de casa. Minha professora na época era Maria Lucia Pinto de “alguma coisa”, não me lembro o restante do sobrenome, ela me pedia pra colocar suas cartas de amor no correio eu via ela toda apaixonada escrevendo com a cara de quem comeu algo gostoso, pelo menos ela me dizia que não eram cartas de amor e eu fazia que acreditava.

Esse ano foi bem legal, como tudo era legal para qualquer criança da minha idade naquela época. Acordava e não via a hora de ir pra escola e quando chegava na escola não via a hora de voltar pra casa, embora eu gostasse da escola.

Eu não fazia parte da turma do vídeo game, confesso que nunca gostei de vídeo game e continuo até hoje não gostando, mas eu fazia parte de uma outra turminha bem legal: a turma do riso, como era conhecida a nossa turma. Até porque o pessoal do vídeo game estavam sempre brigando entre si; nos assuntos ninguém queria ficar por baixo, era sempre um querendo saber mais do que o outro. A minha turma não, vivia sempre rindo falando besteiras e eu como sempre contando as minhas piadas. Foi aí que eu descobri um dom que eu tinha: o de fazer os outros rirem.

Minha mãe sempre me ameaçava dizendo que ia me dar pro primeiro circo que viesse no bairro e pra minha sorte aqui no bairro nunca apareceu um circo decente, alias, nunca veio um circo de verdade, o unico que se instalou por aqui que não tenho certeza se era ou não um circo e uma professora, a Dona Petrolina, inventou de levar a molecada pra lá.

Eram uma e meia da tarde pra se ter uma idéia, o pessoal ainda estava com o feijão nos dentes. O circo parecia o que antigamente a gente chamava de acampamento de ciganos, hoje até o pessoal do MST (Movimento dos Sem Terra) armam as barracas melhor do que aquele circo - armar a barraca no sentido de esticar a lona, seu mente poluída.
Nele tinha cinco gatos que sempre fugiam quando abriam a gaiola no humilde picadeiro; um papagaio velho que nunca falava e era dublado por um tiozinho de barbas grisalhas e cheirava á cigarro; quatro cachorros desnutridos que apelidamos de Costelinha 1, 2, 3 e 4; um homem que tinha os olhos avermelhados lacrimejantes, parecia que tinha ficado muito tempo sem dormir e tinha cheiro de chá, cabelo cheio de pedaçinhos de espuma amarela de colchão e bolinhas de cobertor enroscadas nos cabelos, pintava o rosto com batons e uma outra tinta estranha e aquilo ia derretendo com o suor e ficando com um aspecto estranho. Tinha ainda um boi que parecia ser adestrado.

Para nós, foi até legal, pois saímos um pouco da minha rua. Aliás, a minha rua sempre foi cheio de criançada brincando para lá e para cá, apesar do trânsito ou de vizinhos mal humorados que não queriam devolver a bola quando caía no quintal ou que brincássemos de futebol em frente ao portão, eles jogavam tachinhas, cacos de garrafas quebradas e pedriscos para não jogarmos bola por alí, aí então colocávamos bombinhas nas caixinhas de correios, só assim eles devolviam as bolas que perdíamos ou nos deixavam em paz.

Meu irmão e meu primo eram os menos corajosos pra fazer certas coisas. Houve um ano que por ali apareceu um tal de Anderson que apelidamos de Baratão, e tinha um irmão mais novo que ganhou de nós o carinhoso apelido de “chupetinha”, este apelido não é pelo que você está pensando, seu depravado, mas porque ele tinha 16 anos e não largava a chupeta.
O Baratão era bem mais velho e tomava gardenal, gostava de ficar no meio dos meninos menores talvez porque a mente dele era ainda de criança, sei lá. Quando ele esquecia de tomar os remédios ele tinha crises e saia atrás de todo mundo, era um corre-corre danado, mas eram nesses momentos que a gente aproveitava e o desafiava. Ele saia correndo feito doido pra nos pegar. Combinamos de um dia cortar seus cabelos pois era um rabicózinho horrível e ele andava com a gente. Cortamos porque tínhamos vergonha de outras meninas nos verem com ele, depois tivemos que ficar quase que a noite toda rodando o quarteirão ou ele nos pegaria.

O terror do meu irmão era um tal de ToMarco (deve ser Antonio Marcos o nome verdadeiro, mas todo mundo o chamava assim) ele era um dos que ajudou a construir um sobrado na esquina do lado baixo da minha rua, bebia umas e outras e andava com um pessoal que nossas mães rezavam pra não seguirmos o mesmo caminho.
Foi que um dia, brincávamos de esconde-esconde e usamos o sobrado como esconderijo. A laje do segundo andar ainda estava sem cobertura e resolvemos ir pra lá. Tinha uma escada interna e uma outra que fizeram pra subir cimento e outros materiais pelo lado de fora. Dado certo tempo, eu e mais dois amigos já estávamos na porta da saída quando ouvimos meu irmão e mais dois primos meu gritarem lá de cima por socorro.
Era esse Tomarco que estava na laje todo amanguaçado ameaçando pegar os garotos e dar uns cascudos. A molecada correu pra ponta dos andaimes ameaçando então pular do teto do segundo andar.

Não deu outra, o medo era tanto que primeiro pulou o primo mais novo, depois meu irmão que era um magricela e por cima dele meu outro primo que era "bem mais avantajado" (toda turma tem que ter um gordinho, pelo menos pra colocar a culpa). Este ultimo todo dramático pedia pra um de nós pegá-lo no colo achando que ia morrer.
No dia seguinte, não podiam ver o bebum que corriam feito gatos escaldados, mas com certeza ele nem se lembrava mais do ocorrido de tão bêbado que estava.

Em frente à minha casa tinha um campinho que mais tarde se tornou uma pracinha, hoje certamente a mais bonita do meu bairro, pois quando éramos criança plantávamos arvores a torto e a direito, não nos dávamos conta da dimensão que iam ficar e nem imaginávamos que hoje isso traria problemas. Mas hoje ela é toda arborizada.

Antigamente brincávamos de pega-pega, poste a poste e outras brincadeiras da idade, mas era no esconde-esconde que eu era fera. Rodava oito quarteirões e na corrida pra bater o poste eu sempre ganhava.
Eu era bom das pernas, pra ser modesto eu ainda sou, prova disso eu podia estar no ultimo quarteirão e escutar minha mãe gritar “Dooouugglaaass, é 1, é 2...” eu chegava antes do “3”. Quando eu entrava, todo mundo também ia embora, cada um pra sua casa, a brincadeira acabava. Só nos restava dormir e esperar o sol raiar de novo. Enfim, um novo dia!



Um comentário:

  1. Belo texto, Douglas. Imagino como a vida era boa naquela época. Bons tempos que não voltam mais...

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